31 de maio de 2013

O guarda-rios

Era grande e não o confundi com os melros residentes no jardim. Voou da acácia e empoleirou-se no gradeamento da varanda da sala quando se deu conta do barulho da carrinha que queria entrar no pátio. No lusco-fusco, chegar da cidade aqui ao meu campo e dar de caras com aquela criatura emplumada de cores é um privilégio.
Nunca tinha visto um guarda-rios ao vivo apesar de viver entre rios e campos. A poluição, a construção crescente deve tê-los assustado para outras paragens. Até que ontem o vi, bem no meu jardim. Depois voou para o telhado da garagem e ficou ali sem medo a ver-me estacionar até que chegou uma rola e ele, não apreciando a companhia certamente, debandou dali para fora.
São maiores do que eu pensava, mais exóticos, mais coloridos. Fiquei tão contente. E mais fiquei por dar-me conta de que gosto muito de morar onde moro, de ver melros, pardais-telhados e rolas passearem-se por entre os ramos das árvores do meu jardim e fazerem ninhos encarrapitados na hera das paredes ou nos cedros. Já vou vendo pintassilgos muito raramente e, supremo gosto, também já vão chegando peneireiros e até sei onde há um a morar... Talvez se estejam a desassustar com a nossa presença e vão regressando. Espero bem que sim.

29 de maio de 2013

A minha primeira reunião na Cooperativa

Cheguei à hora mas a Cooperativa está vazia. Os funcionários já me conhecem e deixaram de estranhar a invasão da citadina de saltos altos, muito bling e óculos escuros.
- Ó Dra., só começa daqui a uma hora. Nós é que marcamos sempre para uma hora antes porque nunca cá está metade dos sócios. Eram precisos dois mil. - Explica-me a secretária do director e eu sinto-me na obrigação de justificar o que me fez ir à Cooperativa a uma segunda às 17.30 para uma reunião a que nunca fui. Explico que tenho curiosidade em saber o que é que vai ser discutido sobre os estatutos e sobre os investimentos em Moçambique e no Brasil.
- E faz muito bem vir que é para não serem sempre os mesmos. - Replica-me a sorrir, enquanto eu imagino porque é que ela sorri na antecipação da cena.
Vou para casa fazer a espera da tal hora. Quando regresso, o parque está completo e tenho de procurar lugar para estacionar. A sala de reuniões está cheia para meu espanto. Começaram mesmo à hora e o director explica coisas. Vejo uma cadeira livre na fila da frente. Antecipo o que me espera de pasmo nos olhos e a perturbação que estou a causar. Imagino os comentários e vejo os pontos de interrogação todos em cima da cabeça das pessoas. Não quero saber. Sento-me entre o silêncio que se fez.
Assino a presença. Peço os documentos que vejo que todos têm. Trago os estatutos que tinha pedido uma hora antes. Ponho-me a par.
Debate-se alteração às eleições e discute-se sobre a percentagem de votos para aprovar coisas como a extinção e a cisão da Cooperativa. Escuto quem pede a palavra. Oiço a mesa. Observo quem está na sala e tiro o pulso à agricultura deste país.
Gente tisnada. Resignada e paciente. A gente que levou com as políticas agrícolas comuns, as PACs que nos arruinaram o campo. A gente que não percebe o Governo e cujo Governo as não percebe. Há um ou dois jovens agricultores, jovens com a minha idade, logo adultos a quem já não chamamos jovens. Os jovens que o não são mas que o são porque ninguém no seu juízo quer a terra.
Finalmente levanto o braço e acho que assusto o Presidente, um homem que desconfio não vem da agricultura e que me repulsa profundamente na sua maneira arrogante de conduzir a reunião.
Discordo das medidas propostas. Discordo do fraseado que querem arranjar. Venho dar cabo do sistema. Proponho alterações à redacção estatutária nos pontos que me incomodam e que nem sequer estão na ordem de trabalhos e trago um vocabulário estranho. Desconfio que muita gente me perceba em soluços mas percebe-me a presidência que não respeito e a Direcção que admiro e são, sobretudo, esses que quero que me oiçam. Votam-se as minhas propostas. Descanso porque são aprovadas. Ainda bem que vim.
Saio antes do fim e sei que vão pensar na ave rara que ali lhes entrou porta dentro. Gosto da gente simples, tisnada e cansada. Não gosto dos ares da presidência e sei que quem trabalha e mantém a Cooperativa é a direcção. É o director que me trata dos terrenos, que tem as ideias para os investimentos, que me ouve e me recebe. Saio e agradeço-lhe concordar comigo e não me achar estranha.
Somos 4600. Estávamos ali 47 a espelhar o abandono em que caiu a agricultura deste país. Orgulho-me de ser o nº 41, a herdeira de um dos fundadores. Penso no que dirá o Pai quando souber que eu ali estive...

24 de maio de 2013

Detestei deixá-lo

Hoje fui pela primeira vez levar o meu sobrinho ao colégio. Ainda me está a doer.
O pai precisou ir de urgência a Bilbau e a mãe teve a Margarida há menos de duas semanas e não pode andar com um peso de dois anos de gente e quase vinte quilos em bolandas de entra e sai de carro. A Tia entrou ao serviço. Tudo bem. Cheguei a Lisboa de madrugada quase manhã depois de um drop off no aeroporto. O Manel dormia e deixei-o dormir sem horários até que ele acordou às 7.30. Preparei-o para o colégio com a ajuda da mãe. No caderno dos recados os pais escreveram que a Tia o ia buscar à tarde e puseram-lhe uma cópia gigante do cartão de cidadã da Tia por via das curvas. Lá fui toda contente por levar, sozinha!, o miúdo ao colégio.
Detestei.
Detestei deixar o meu sobrinho. Estava sossegado. Entrou na sala dos Honeybees, que é sala dos meninos da idade dele, e não me desprendeu logo a mão. Fê-lo suavemente a ensinar-me como se faz, eu que ali estava realmente sem saber o que se faz. Quando dei por mim em consciência estava a explicar à ama que nos recebeu o que levava na mochila do Manel, como se ela nunca tivesse visto a mochila de todos os Manéis que lhe passam pelas mãos.
- Sim, Tia, já percebi o recado. - Disse-me paternalisticamente com um miúdo ao colo que chorava pela mãe e um biberão que ele não queria porque chorar lhe era mais importante. À volta havia mães que só abriam a porta, despejavam os filhos e saiam para mais um dia. Nelas, a operação não levava mais de 5 segundos. Tudo me pareceu confusamente rotinado.
Olhei à volta e vi o Manel sentado num colchão com outros meninos. Sossegado olhava para mim. Não sei se pensava no que eu estaria ali a fazer ou se estava com saudades ou se não quereria estar ali. Fiquei sem saber se lhe havia de dizer adeus ou se isso o ia perturbar e ele começava a choramingar. Não disse adeus mesmo sabendo que o Manel não é de choraminguices.
Custou-me horrores.
Lembrei-me do que detestei aqueles três meses de creche forçada antes de ir para a escola. A língua estranha que eu mal falava, as rotinas, a ausência da Mãe. Ao pensar em mim senti-me infeliz pelo Manel e pensei coisas parvas como se não vivesse neste século desejando a caverna em que ninguém se afastava de ninguém.
Que bom que logo vou buscar o Manel e quem sabe se não o levo a passear...

(E isto tudo para dizer que se me dissessem que algum dia eu ia sentir estas coisas, eu não acreditaria).

22 de maio de 2013

Já não há cartas boas

Lembro-me de receber cartas com notícias. Vinham em alemão, em inglês, em português. Traziam coisas de sorrisos, notícias. Eram em papel muito fininho para não pesarem ou papel trabalhado e bonito só por si.
Agora só recebo cartas formais. Notificações do tribunal, contas, publicidades, mais contas. Ontem cheguei a casa e tinha um aviso para ir levantar uma carta aos correios. O remetente só tinha duas letras: P. T. Pensei Portugal Telecom mas não consegui imaginar o que diabos me queriam com uma carta registada. Depois pensei em Polícia de Trânsito e imaginei as mil e uma infracções que eu deveria ter cometido sem tê-las cometido.
Hoje lá fui levantar a carta e a pensar na multa que deveria constar de tamanha formalidade.
Não era multa. Não era Polícia de Trânsito coisíssima nenhuma. Era mesmo a PT, a tal de Portugal Telecom, a enviar-me um recibo relativo a 4,01eur de IVA cobrados indevidamente e creditados em Agosto de... 2011.
Bem, ao menos não era uma multa. Este país é um portento!

20 de maio de 2013

Chegar

Saí ainda a minha sobrinha não tinha 48 horas. Pela primeira vez na vida tive saudades de bebés: dela e do meu sobrinho de 2 anos. Quando o meu sobrinho nasceu estranhei tudo. Pensei que me ia apaixonar por ele mal o visse, que era tudo como nos filmes. Estranhei aquele bebé que nos entrava vida adentro para nos mudar o vocabulário e fazer parte de uma família amputada que andava há anos naquela dor fantasma do membro amputado. Estranhei a mana mãe e o pai avô. Estranhei-me tia. Amei-o porque ele era um de nós, porque era pequenino, porque nos era filho, neto e sobrinho, porque tinha os genes e os dedos da avó que nunca conhecerá aqui. O encantamento veio aos poucos.
Com a bebé Margarida foi tudo diferente. Amei-a de paixão ainda não lhe tinha visto o rosto e ela era só um embrulho num berço na maternidade. Amei-a naquele instante como a vou amar para sempre.
Parti e, sem saber como é que aconteceu, levei os meus sobrinhos colados ao coração em saudades físicas que parecia fazerem de mim mãe-tia. Afinal se há tias-avós, não poderá haver mães-tias?
Tive saudades do regresso porque ao cabo da viagem estariam os pequeninos. Gostei do que senti.

No resto, foi bom passar uns dias num país liberto de austeridade. Claro que há crise e preocupação mas não há este desânimo que nos tolhe em Portugal. Não há sensação de desprezo e desconfiança que temos para com os políticos. As pessoas têm filhos e famílias grandes porque têm confiança nos dias vindouros e na protecção social de um país de extremos que só sobreviveu às eras, às invasões, às ameaças do vizinho russo, ao solo pobre e gelado, à noite nórdica e ao inverno de rigores porque se alavancou no colectivo. São frios e bisonhos os finlandeses. São, mas são focados no social, no pragmatismo da sobrevivência e na cultura do não desperdício: nisso são vencedores.
E nós? Nós andamos a ouvir comparações assombrosas neste discurso público da moda em que dizem que devíamos seguir o modelo finlandês. Só gente sem o mínimo de entendimento sócio-cultural poderá embarcar neste tipo de veleidade comparatista que acha que pólos disjuntos se podem comparar.
Vendo os finlandeses ainda mais receios tenho do que nos vai suceder: um povo sem renovação de gerações, sem empregos, sem perspectivas e sem ideias. Podemos até sair desta crise económica mas vai bater-nos à porta uma crise bem pior, a da nossa sociedade sem gente. E vai bater-nos à porta bem mais cedo do que imaginamos...  

18 de maio de 2013

E, por fim, da Finlândia

As autoestradas não se pagam.
Nem a educação, nem a saúde.
E os combustíveis estão ao mesmíssimo preço que em Portugal.
E, claro, a nossa classe política analfabeta sabe sempre comparar um país de cinco milhões de habitantes com um de dez.
I rest my case.

17 de maio de 2013

O que vou ouvindo aqui na Finlândia (a nação que supostamente nos serve de modelo)

- Há crise na Finlândia e as pessoas estão também a reequacionar o seu modo de vida;
- Os professores universitários na Austrália têm aumentos de salário de 2% a cada seis meses;
- Os professores universitários no Brasil ganham mais 700eur só por darem mestrados e doutoramentos.

É, ele pode haver com cada comparação... Pena é que nunca usem as comparações a favor do people.

16 de maio de 2013

Aqui perto do Círculo Polar Ártico

Pois aqui perto do Círculo Polar Ártico faz sol e têm estado uns dias de céu azul muito agradável. Já em Lisboa parece que arrefeceu:)

15 de maio de 2013

Aqui da Finlândia: recados ao Vítor Gaspar

Ultimamente o discurso público quer comparar Portugal à Finlândia e que temos de ser finlandeses à força. E que a Finlândia é que é uma nação modelo e etc. Pois a coisa é assim:
- também há cá gente a pedir nas ruas;
- escarretas no chão são à pazada;
- o IVA na restauração: 10% para a comida, 24% para as bebidas alcoólicas.
Sim, de facto, grande nação modelo, temos tudo para ser finlandeses...

14 de maio de 2013

Primeiras rosas

Sabendo da minha inépcia para coisas domésticas e falta de tempo gritante (e o que me apetece gritar às vezes...), a minha rica Paula foi ao jardim buscar as primeiras rosas do ano e compôs-me este ramo.
O que eu faria sem a Paula?
E que triste não seria o jardim sem as roseiras que a Mãe plantou.

13 de maio de 2013

Raios partam o Benfica

Ontem dei comigo a escolher o jornal do dia, para dar à minha sobrinha quando ela fizer 18 anos, em função da primeira página. Em todos os jornais muito bem escarrapachado o desaire no Porto. Coisa linda, a minha sobrinha saber que os jornais do dia em que ela nasceu não falavam de outra coisa que da anormalidade de perdermos no Dragão. Isto admite-se?

Margarida,
estas coisas acontecem, ok? Livra-te de seres outra coisa que não Benfica. E se quiseres ser outra coisa, antes Belenenses que Sporting, estás a ouvir?
Beijo da Tia

12 de maio de 2013

A Margarida nasceu

E o mundo ficou tão mais feliz.

Obrigada querida sobrinha por teres tido pressa e teres nascido hoje e não amanhã porque senão a Tia só te conheceria para a semana. Palpita-me que vamos ser muito amigas...

Amo-te para sempre e depois de sempre.

10 de maio de 2013

Presentes para a Margarida


 
A minha sobrinha Margarida nasce na Segunda-feira e a Tia tem recebido presentes para o bebé que vai nascer. Admiro-me, como pasmo e me comove, que haja quem, não conhecendo a Margarida nem a mãe da Margarida, goste de nós o suficiente para se lembrar deste bebé.
Obrigada.

8 de maio de 2013

Not fair

Esta coisa de a sociedade abusar de quem não tem filhos sugando o espaço e o tempo da sua não-existência é uma coisa tramada.

5 de maio de 2013

Dia da Mãe

Todos os anos neste dia sinto a amputação, só que hoje não me apetece falar dela, nem das saudades crónicas, nem de lembranças. Desde que a Mana é mãe temos uma mãe na família e daí que este dia só possa ser feliz. Para a semana nasce a Margarida, que se vem juntar ao Manel, e vamos poder usar o plural para falar das crianças desta família que a Mana se encarregou de aumentar.
Adoro-te Mana! Adoro-vos sobrinhos!

Feliz Dia da Mãe às mães!

PS - E quando se faz um Dia da Super Tia? :)

1 de maio de 2013

Maio entrou

E com Maio nascerá a minha sobrinha.

Margarida,
a Tia gosta muito de ti mas tem dó e não nasças enquanto a Tia estiver na Finlândia, ok?
Beijo que já falta pouco para te conhecermos,
Tia Bá