4 de abril de 2018

Colónia: "A" Catedral

Em Colónia, a grande atracção é a catedral, "a" catedral. Vê-se muito ao longe e muito antes de se chegar à cidade. Vista à distância dos quilómetros parece uma montanha que se eleva na paisagem. Mastodôndica. Colossal. Titânica. Todos os adjectivos da grandeza desmedida se lhe aplicam. Não creio, porém, que se lhe devam os adjectivos da grandiosidade. Do meu ponto de vista, penso que a catedral de Colónia convoque no observador os opostos do amor e do detestar e, em qualquer dos casos, do pasmo. Trago o meu marido e venho a tentar adivinhar em qual dos pólos ele vai cair. Depois da beleza sublime de Bremen, que ele traz bem fresca na memória recente, receio que "a" catedral o vá espantar pela negativa. Vejo-a aproximar-se à medida que percorremos as ruas da cidade. Negra. Imponente e cada vez mais gigantesca, tão que é impossível observá-la a toda a escala quando chegamos perante o leviatã.
 Nesta altura, a catedral está em obras de limpeza. Parece impossível que este cíclope negro fosse originalmente branco. Ponho-me a imaginar como seria esta montanha na sua alvura e se operaria um sentimento mais simpático. A poluição enegreceu a catedral e tornou-a ameaçadora na sua imponente majestade. É, foi, o preço da industrialização. Afinal, estamos no estado da Nordrhein-Westfalen, na bela tradução de Renânia do Norte-Vestefália, um dos estados mais industrializados da Alemanha, dentro do qual se aloja, aqui bem perto, a famosa (ou infame) Ruhrgebiet, a região do rio Ruhr, economicamente dependente da indústria do carvão, quando o carvão fez época e nos trouxe até este presente de degradação ecológica. Toco na pedra a tentar perceber o grau entranhado da poluição e fico perplexa como é que a dita foi absorvida. Eu a pensar que era uma coisa superficial e é algo que parece foi sugado pela pedra como se esta fosse uma esponja. Impressionante (no mau sentido).
Além das dimensões bestiais, "a" catedral é conhecida por nela repousarem as relíquias dos Reis Magos. Sempre sorri mentalmente desta ideia das relíquias dos Reis Magos. É uma coisa queirosiana. Um Raposão medieval qualquer a cantar a cantiga do bandido e a crédula Cristandade a acenar com a cabeça que sim, senhor, que venham tão santas relíquias para o nosso seio. Não sei que raio de ossos se albergam no ossuário dourado que faz as delícias fotográficas dos turistas que olham para aquilo no olhar que olha sem ver. 
Faço o tour da catedral ao meu marido. Informo-o de que está noutro sítio patrimonial UNESCO (e nisto dou-me ao orgulho de quem diz "Vê só em quantos sítios UNESCO já estiveste nesta viagem!") e levo-o a ver as oficinas da catedral que levou seiscentos anos a construir e que, tendo sido dada por construída em 1880, nunca esteve realmente sem obras. Engenheiro, interessa-se por esse backstage do monumento e eu aguento os pingos de chuva miúda para deixá-lo contemplar o que me parece uma pedreira faraónica. Sim, lembrando-me das pirâmides onde estive há tantos anos, encontro semelhanças entre esta catedral e os colossos de Gizé. 
Quando emergimos da catedral, alguém faz um espectáculo de rua com bolas de sabão. Noto as nuvens de bolinhas etéreas e coloridas como arco-íris e vejo "a" catedral sob outra perspectiva, quiçá se mais simpática. Procuro no chão os desenhos a giz que artistas costumam fazer neste adro igualmente colossal mas os chuviscos esborrataram-nos. Tudo muda e "a" catedral perdura. Pergunto ao meu marido se ele amou ou detestou o portento e recebo uma resposta que me é imprevista: gostou. Ficou-se a meio e eu olho para ele a tentar fazer sentido daquele "gostar" porque, para mim, nunca se me pôs a questão de "a" catedral convocar sensações medianas. Alinho as sinapses mentais para esta nova informação e penso que talvez nesta minha oscilação entre amar e detestar a dita, eu fique mais confortável num meio-termo. Amo que seja um bicho de enormidade que quebra todos os recordes e que esse bicho portentoso exista perto de onde nasci. Detesto-lhe a negritude infeliz e a posse assustadora e mais a ridicularia de relíquias impossíveis. Assim, talvez hoje tenha aprendido que o que eu sinto pela catedral é uma espécie de gostar. Desta vez não compro um postal com a foto oficial da catedral, compro, como recordação, um postal que é um desenho de uma catedral simpática a zelar sobre a cidade e a reflectir-se no Reno emoldurado por árvores. Gosto!

1 comentário:

Dalma disse...

Quando visitei Colónia, então já sem filhos, e tal como escreve “a” Catedral, fiquei com a sensação de que não conhecia nenhuma maior, achei que nenhuma das que com eles visitei ( e foram muitas por essa Europa) se lhe comparava. Porém no ano passado “a” sua catedral em termos de tamanho foi destronada pela catedral de Lincoln no Lincolnshire!

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